Cinema Erótico - A contravenção sensual!
Se a contravenção cultural era hábito e até um dever na década de 60, o erotismo foi ponta de lança em diversas ocasiões. Sempre condenada ao gueto dos alternativos a produção erótica no cinema teve melhor chance comercial no decorrer nos anos 60 especialmente na Europa que ja explorava o erotismo como assunto central da narrativa em Io Emmanuelle (69), Scacco a la Regina (69), Camille 2000 (69) ou Meti Una Sera a Cena (1969) entre diversos outros.
Na década de 70, depois do sucesso de filmes como The Last Tango in Paris (O Último Tango em Paris, 1972), Emmanuelle (1974) e Historie D´O (1975) tanto a produção Americana quanto a europeia se renderiam ao apelo soft-core das produções eróticas. A América veria o gênero tomar as bilheterias tanto na forma mais comercial soft ou ingressando na explicitação de Deep Throat (1972) e Behind the Green Door (1973). E a liberação erótica se infiltraria no cinema comercial sempre mantendo sua saudável postura de afrontosa irreverência. Filmes como Midnight Cowboy ou Don´t Look Now receberam um inapelável “X” em seus certificados de censura devido a cenas mais ousadas do que de hábito na produção americana.
O resgate de trilhas sonoras que atualmente ocorre em CDs trouxe trabalhos imperdíveis como as coletâneas de Gerard Heinz e Peter Thomas, ambos lançados pela Diggler. E mesmo filmes menores tiveram trilhas boas como em Ritratto Di Borghesia in Nero, Sessomatto ou as comédias de Gloria Guida (mais ou menos a Vera Fisher italiana). A comédia (ou pornochanchada) La Liceale teve uma trilha easy listening muito boa de Vittorio Pezzolla. E o lançamento de coletâneas em CD pelo mercado contemporâneo chegou ao extremo do gueto hardcore dos filmes explícitos com a série Deep Note, surpreendente em diversos momentos por sua qualidade musical.
Ainda mais alternativas do que simplesmente apelar à comicidade e à nudez, seriam as experiências cinematográficas de diretores como José Larraz (Wampyres), Jess Franco e Jean Rollin que se equilibravam entre propostas atmosféricas, artísticas, performáticas ou que estariam simplesmente recorrendo aos tabus do momento (sexo e violência). Filme ou exercício temático? Provocação ou apelação? Depende da disposição e da leitura de seus espectadores. Em Frisson des Vampires (1971) de Jean Rollin, a trilha pinkfloydiana do grupo Acanthus sustenta as encenações em autênticos castelos e bosques europeus (nenhum bosque fotografa melhor do que os bosques europeus para clima macabro), além das ousadias eróticas que só nesse período teriam o sentido que têm. Da mesma forma, em Vampyros Lesbos (1970) de Jess Franco, a Condessa Carody, descendente da família Drácula, ataca (sempre com pouca roupa) as moças que lhe passam pelo caminho, ao som de instrumentais com muito destaque aos órgãos elétricos para o clima libertino/transgressor essencial à época e às longas sequencias de sedução.
Trilhas musicais tiveram vital importância nos eróticos justamente por embalarem longas sequências de “ação”, como fez Michel Colombier em Les Onze Mille Verges (1975). Imersão sensorial através da música: função primordial de toda trilha musical em um filme. No limite do explícito, Cicciolina Amore Mio (1979) é quase um musical erótico pela ausência de narrativa e necessidade constante de trilha sonora (de Gianni Marchetti) para suas sequencias sem muita conexão entre si.
O diretor Tinto Brass também foi nome importante no erotismo no cinema, além de ser um diretor que raramente negligenciou o lado musical de seus filmes. Compositores destacados fizeram trilhas para seus dramas eróticos que marcaram época como Salon Kitty (1976, música de Fiorenzo Carpi), La Chiave (1983, Ennio Morricone) e especialmente Riz Ortolani nos filmes Miranda (1985), Paprika (1991) e Fermo Posta Tinto Brass (1995). Ortolani por sua vez, com sua inconfundível linha romântica, tem considerável passagem pelos eróticos por filmes como Casanova & Cia (1976) ou Mondo Candido (1978).
A variedade de produções que foram de dramas consistentes a apelações WIP, passando por comédias, chanchadas, filmes de época ou fantasias pop é incontável. Basta considerar que filmes como La Monaca di Monza (A Monja de Monza, 1969, música de Ennio Morricone), The Night Porter (O Porteiro da Noite, 1974, Daniele Paris) e Decameron (1971, Morricone) derivaram em correntes particulares (nunxploitation, naziexploitation e comédias de época, respectivamente) para ter uma ideia de como estiveram ocupados os “alternativos” dos anos 70.
Aqui vão alguns destaques, principalmente por suas trilhas sonoras. Piero Umiliani com seu toque sempre criativo nos arranjos teve encomendas garantidas no erótico. Suas trilhas para Baba Yaga (1973), Il Corpo (1974) ou La Ragazza Com La Pele di Luna (1970) são inconfundíveis no gênero e grandes representantes do momento. Em Il Corpo, a música cumpre tão bem sua função imersiva que muitas sequências dispensam som de ambientação (sonoplastia, foley) resumindo-se a música e imagem – pratica bastante recorrente no cinema B.
O francês Les Onze Mille Verges (1975) transforma a clássica novela sadomasoquista de Guillaume Apolinaire em um soft core cuja trilha musical de Michel Colombier explora um pouco de tudo: dos rudimentos do samba e baladas em piano a madrigais renascentistas.
Também de 1975, Black Emanuele, estrelado por Laura Gemser, teve considerável repercussão popular e se expandiu por cinco longas-metragens. Todos com música inventiva de Nico Fidenco. Como Fidenco, outro nome destacado do pop italiano foi Fred Bongusto, que teve uma simpática trilha composta para Malizia (1973) dirigido por Salvatore Samperi e estrelado por Laura Antonelli, que, sozinha, merece um capítulo à parte por sua participação nos dramas e comédias eróticas do período. A equipe de Malizia repetiria o bom nível de produção em Pecato Veniale (1974).
Em Bilitis (1977) o fotografo David Hamilton exercitava estilização fotográfica e muita polêmica na beleza das ninfetas, especialmente a protagonista. Para Bilitis, Francis Lai compôs um de seus melhores trabalhos para o cinema em sua cativante leveza etérea.
Paixão Selvagem (1976), divino, maldito, decadente, cafajeste, dirigido pelo idem, idem, idem, Serge Gainsbourg, teve sua trilha (também de Gainsbourg) derivada da famosa canção que lhe dá titulo, a canção Je T´Aime Moi Nom Plus, um verdadeiro marco cultural na transgressão erótica.
Merece menção uma raridade que foi Lialeh (1974), filme erótico da corrente blaxploitation que teve trilha musical composta pelo veterano baterista Bernard Purdie.
E o gênero perderia a força, ou seu sentido transgressivo, nas repetições de formulas ou em filmes mais ambiciosos como Mogliamante (Esposamante, 1977), Madame Claude (1977) ou Montenegro (1981). Posteriormente a eles, o puro cinema pop entraria em declínio e o erotismo encontraria continuidade na onda dos explícitos dos anos 80, que seriam muito populares com o sucesso dos home videos.
Na aventura Gwendoline (As Aventuras de Gwendoline, 1983) de Just Jaekin, o delírio pop/kitsch (baseado livremente nos quadrinhos bondage de John Willie) começa a perder o sentido tanto estético quanto como simples prazer cinematográfico. A trilha de Pierre Bachelet também soa meio deslocada do modelo em sua forma techno-romântica. Gwendoline praticamente encerra o ciclo classico dos eróticos em sua golden age.
