Giallos - O Suspense à Italiana 2
Com Profondo Rosso (Preludio Para Matar, 1975) o diretor Dario Argento marcou novo período no suspense italiano. Com sua excelência técnica e narrativa, Profondo Rosso alcançou um novo patamar estético que superou a produção anterior e praticamente fechou o ciclo mais criativo dos euro-thrillers. Mas, a mudança que esse filme representou significou mais à carreira de Argento do que ao gênero em geral. A trilha musical de Profondo Rosso (Giorgio Gaslini e o grupo Goblin) faria uma inusitada inclusão de rock. Se anteriormente no cinema, o rock e a musica pop estiveram presentes como mera referência contemporânea ou source music ouvida em bares e clubes, em Profondo Rosso os ritmos e a potência eletrificada dos instrumentos se inseria incomodamente na estrutura do filme acentuando seu efeito alucinatório e desorientador.
Enquanto outros diretores continuaram investindo no formato tradicional dos thrillers, Argento tentaria um afastamento do gênero com os sobrenaturais Suspiria (1976, musica do Goblin) e Inferno (1980, musica de Keith Emerson).
O sucesso de vendas do LP com a trilha sonora de Profondo Rosso impulsionou a carreira do Goblin de forma incomum. Partindo do mercado de rock progressivo, gênero em alta demanda em meados dos anos 70, o grupo teve mais sucesso compondo para filmes do que em álbuns próprios. O tecladista Claudio Simonetti foi o mais ativo em carreira individual e compondo para cinema e em produções individuais. Nascido em São Paulo, o tecladista é filho do maestro Enrico Simonetti, compositor que teve marcante participação no cinema brasileiro. Fez música para diversas produções da Vera Cruz nos anos 50 (Apassionata, Floradas na Serra). E o Goblin seguiu com uma notável produção nos anos seguintes. Seus álbuns próprios como Il Fantastico Viaggio Del Bagarozo Mark e o instrumental Roller, são exemplares do movimento progressivo. E suas trilhas ora assumiam o rock mais básico como em La Via Della Droga (1977) ou o emergente apelo instrumental techno com em Contamination (1980) ou Tenebre (1981). Em Buio Omega (1979) o grupo orientava seu som para o jazz rock em um de seus melhores trabalhos.
O modelo desenvolvido pelo Goblin, usando motivos de rock, jazz e eletrônica para a criação de música de suspense mostrou-se muito eficiente e foi seguido em outras produções como a trilha de Shock (1977) do grupo Libra, Watch Me When I Kill (1978) do grupo Trans Europa Express e Solamente Nero (1978) de Stelvio Cipriani. Nem sempre bem adequadas ao filme, mas ótimas alternativas enquanto trilhas sonoras.
L´Ultimo Treno Della Notte (1975) foi um bom e violento drama/giallo/terror com música de Ennio Morricone. Curiosamente seu tema principal é reaproveitado de uma animação de 1973 (Il Giro Del Mondo Dei Inamoratti di Peynet) para a qual Morricone havia feito o belíssimo tema principal Forse Basta. Em L´Ultimo Treno, o tema, cantado por Demis Roussos, dá um tom estranhamente lírico ao filme. Funciona como um lamento antecipado pelas futuras vítimas dos maníacos. E o filme é uma variação sobre o famoso slasher Last House on the Left (1972) de Wes Craven. Que por sua vez era uma versão exploitation de A Fonte da Donzela (1960) de Bergman.
O ótimo La Casa Della Finestre Che Ridono (1976) é um caso isolado. Dirigido por Pupi Avati, o filme se vale muito pouco dos clichês giallo (a música de Amedeo Tommasi é bastante discreta), mas ocupa seu lugar como um dos grandes filmes de suspense da história com sua narrativa cuidadosa e excelência atmosférica.
Mas se Profondo Rosso deu novo rumo à Argento, o mesmo não aconteceu com os giallos que perdiam progressivamente a força em produções repetitivas, apelativas ou sem maior convicção. Alguns só seriam revistos no mercado moderno por causa do lançamento das trilhas em CD (exagerei?). Então confira: Omicidio Perfetto a Termine Di Legge (1975), um suspense policial bem mediano, mas incluído aqui só por causa de uma ótima trilha sonora de Giorgio Gaslini. Medaglione Insanguinato (1975) de Massimo Dallamano é bastante atmosférico e envereda pelo sobrenatural. Tem bela trilha reminiscente de Stelvio Cipriani, mas também é um curioso caso de alternativa que escapou ao gênero. Pensione Paura (1978) é simplório, humilde, classe B, mas suficientemente inventivo e acima da média (da média B), com musica do argentino Adolfo Waitzman. A rigor não é um giallo, mas um suspense decente, candidato a cult.
Como um assassino de modus operandi previsível o giallo iria decair nos anos seguintes. Em Vacanza Per um Massacro (1980) o diretor Fernando Di Leo tenta sem muito empenho a velha fórmula do marginal fugitivo que aprisiona moradores em uma casa de campo. O vilão é o cult-ator Joe Dalessandro e a trilha é aproveitada de Milano Calibre 9 de Luis Bacalov (clássico polizioteschi dirigido por Di Leo). A fantasia/suspense Stridulum (1979) é um bizarro pastiche de referências com trilha bacana de Franco Micalizzi.
E as novas gerações não tiveram o talento cinematográfico para levar o gênero adiante. The Killer Must Kill Again (1975) de Luigi Cozzi e Macabro (1980) de Lamberto Bava sustentam-se tecnicamente, mas deixam a desejar no uso da técnica cinematográfica, justamente um dos princípios dos giallos.
E o gênero iria desaparecer na nova onda de filmes splatter, zumbis e canibais que tomaria a produção europeia na entrada dos anos 80. New York Ripper (1982) de Lucio Fulci é talvez o grande exemplo do momento. Ótimo na proposta apelativa, mas equivocado esteticamente. Inclassificável seja como policial, giallo ou terror. De qualquer forma é um clássico do cinema apelativo, exploitation, vídeo nasties e teve uma ótima trilha jazzística de Francesco De Masi.
Dario Argento voltaria ao gênero em Tenebre (1981) e Phenomena (1983), exercícios de estilização dentro da estilização. Com esses dois filmes, Argento passaria a reciclar suas próprias criações nos thrillers em trabalhos cada vez mais autorreferentes. Em Tenebre o artesanato cinematográfico do diretor chega aos limites do surrealismo. Incluindo POVs alheios ao filme e um assassino oculto em algum lugar fora do enquadramento, o filme propõe um enigma técnico além do roteiro. Mais ainda do que Profondo Rosso, Tenebre fecha um ciclo na carreira de Argento. A trilha techno é composta pelo trio básico do grupo Goblin, Fabio Pignatelli (baixo), Massimo Morante (guitarra) e Claudio Simonetti (teclados).
Lamberto Bava, filho do diretor Mario Bava, teve um trabalho bacana na cronologia do suspense. Iniciou com o regular Macabro (1980) e teve sucesso com Demons (1985) e Demons 2 (1986). No entanto, sua insistência e dedicação ao gênero são mais respeitáveis do que os resultados. Morirai a Mezzanote (1986), La Foto Di Gioia (1987) e Body Puzzle (1992) são pálidas consequências da força que os giallos tiveram em sua época de ouro.
Michele Soavi com o violento Deliria (O Pássaro Sangrento, 1987, musica de Simon Boswell) e Pupi Avati com o respeitável Zeder (1983, musica de Riz Ortolani) configuraram bons exemplares de suspense/horror perdidos na enxurrada de produções consumidas na época de ouro do VHS.
Em 2000, o grupo Goblin seria reabilitado em uma nova parceria com Dario Argento no filme Non Ho Sonno. O resultado foi previsível e de óbvio apelo saudosista, mas digno da fama dos envolvidos. Um ótimo giallo, infelizmente fora de sua época. Também são interessantes as revisitações mais recentes ao gênero como em Th3 Pit (2013), Amer (2010) e ainda Giallo (Reféns do Medo, 2010), de Dario Argento. E o francês L'étrange Couleur Des Larmes de Ton Corps (2013) que revisita os títulos enigmáticos dos primeiros anos do gênero. Revisitações à parte, o grande interesse no gênero parece mesmo ser a onda de relançamentos de trilhas sonoras como a que vem ocorrendo nos últimos no mercado europeu.
