Euro Cops - Do social à apelação
“Precisamos que Tarantino viesse nos dizer que os polizzioteschi foram os melhores filmes do gênero” - Filippo De Masi em entrevista com Mario Caiano
Derivados do sucesso de fitas americanas como Operação França ou Dirty Harry, a escola europeia de filmes policiais foi uma das mais bem sucedidas enquanto cinema pop de pretensão mediana. O cinema francês e o italiano, especialmente, fizeram coisas muito boas na década de 70. O noir francês desde os anos 60, nunca escondeu sua fascinação pelo filme americano. Godard em A Boute de Souffle e Detective deixa isso claro. O alto astral big band da trilha de Martial Solal para A Boute de Souffle faz uma clara conexão França-America de forma apaixonada e evidente. Na aventura Melodie en Sous Sol (Gangster de Casaca, 1963) a música de Michel Magne, também em fôlego de big band, também acentua essa relação. O diretor Jean Pierre Melville também cita a apreciação pela cultura americana considerando os filmes policiais como faroestes adaptados ao cenário urbano. Os acertos de contas, o dinheiro enterrado e os tiroteios em Le Doulos (Técnica de um Delator, 1962) são ilustrativos dessa condição. Le Doulous tem sutilíssima e refinada trilha também jazzística, de Paul Misraki, com piano de Jacques Loussier.
“Você tem que entender que esta cidade é pequena para nós dois” - Tomas Milian para John Saxon em Il Cinico, L´Infame, Il Violento
A influência do policial americano de ação foi facilmente perceptível nos filmes italianos em seu indisfarçável apelo popular. A Itália já experimentava o gênero policial na década de 60, aproximando-o dos filmes políticos ou sociais como em Banditi a Milano (Bandidos em Milão, 1966), Ciascuno Il Suo (Condenado Pela Máfia, 1966), Il Ragazzi Del Massacro (1969). A diferença com relação à produção americana foi a utilização de influências musicais mais diversificadas. Em Confessioni di um Comissário de Polizia (Confissões de um Comissário de Polícia, 1970) a trilha de Riz Ortolani emprega estruturas populares (pop, rock) para comentário dramático em um dos resultados mais criativos e eficientes do gênero, rivalizando com as experiências de Quincy Jones e Lalo Schifrin.
No limiar entre o cinema de comentário social e a produção posterior consta honrosamente La Polizia Ringrazia (A Polícia Agradece, 1972), verdadeiro clássico do gênero. Espécie de marco zero para uma nova era de filmes policiais no cinema italiano e um elo entre o filme de ação e o cinema politico que tanta força teve nesse momento. A mesma equipe de La Polizia Ringrazia voltaria no ano seguinte com La Polizia Sta a Guardare, no mesmo bom nível do anterior. Em seguida, La Polizia Incrimina La Legge Assolve (1973) também foi peça fundamental entre as aspirações do cinema denúncia e o filme de ação de apelo às bilheterias. Sua sequência Roma Violenta (1975) com Maurizio Merli no papel do detetive Betti (Franco Nero no anterior) já se enquadra no modelo de tantos outros filmes do período. A música dos irmãos Guido e Maurizio de Angelis (nos dois filmes) também serviu de modelo aos polizzioteschi italianos. E a música foi elemento inseparável do gênero tanto quanto Henry Silva e garrafas de J&B.
A quantidade de filmes produzidos e a variedade de níveis e propostas de produção foi tamanha que naturalmente abriu caminho para trilhas sonoras alternativas. Da tradição jazzística à fusões com o rock, o período representou uma época muito rica na composição para trilhas sonoras. Foi praticamente o auge criativo de uma riquíssima atividade que vinha desde os anos 50. Certamente que se não fosse o poliziotteschi, não teríamos o “soul big band” de Riz Ortolani para Rings of Fear (1978) ou o pop surreal de Giampaolo Chiti em Paura in Cittá (1976).
Diversos compositores tiveram trabalhos de destaque nos euro-policiais. A prolífica produção de Stelvio Cipriani o incluiu naturalmente entre os mais importantes dos policiais italianos. Squadra Volante (1974) Mark il Poliziotto (1975) e La Polizia Ha Le Mani Legate (1975) estão entre seus bons momentos. Invariavelmente dramáticos e construídos sobre linguagem pop – bateria, guitarra e baixo.
Franco Micalizzi foi um dos mais atarefados profissionais do gênero. Deixou trilhas convencionais e todas parecidas (variações em pentatônicas), mas incisivas e funcionais como em Il Giustiziero Sfida La Citta (1975), Napoli Violenta (1976), Italia a Mano Armata (1976), Roma a Mano Armata (1976), La Banda Del Gobbo (1977), Il Cinico, L´Infame , Il Violento (1977) e outras.
Armando Trovaioli teve um trabalho destacado seja no peso sonoro de La Mala Ordina (1972), uma das melhores trilhas dos policiais em todos os tempos, ou na elegância jazzística de Blazing Magnun (1973).
Ennio Morricone iniciaria uma linha de produção interessante para o cinema policial com Le Clan Des Sicilien (1969), Le Casse (1971) ou Peur Sur La Ville (1975) – todos com direção de Henry Verneuil. O uso marcante de harmônica e piano percutido nos policiais, especialmente em Peur Sur La Ville, se repetiria em muitas trilhas posteriores de Morricone chegando até Untouchables (Os Intocáveis, 1987).
Mais receptivo a variações do que a produção norte-americana, as trilhas sonoras do euro-policial incluíram alternativas interessantes como na fusão com o rock progressivo em Milano Calibre 9 (1972) de Luis Bacalov em gravação do grupo Osanna, Il Grande Racket (1975) dos irmãos De Angelis ou ainda Milano Violenta (1976) com o jazz-rock do grupo Pulsar.
Outros destaques muito legais: Un Homme Est Mort (1972), com Michel Legrand se aventurando nas linhas de soul music, L´Alpagueur (1976) de Michel Colombier, Fatevi Vivi (1974) de Piero Piccioni, L´Uomo Della Strada Fa Giustizia de Bruno Nicolai e Tony Arzenta/Big Guns (1973) de Gianni Ferrio, acid jazz que aproveitou uma versão em italiano de Sentado a Beira do Caminho de Roberto e Erasmo Carlos como tema de abertura (L´Appuntamento com Ornela Vanonni). Trilhas que marcaram seu momento pela intensidade e busca de alternativas de criação em um modelo musical consumado.
Como ocorrera com os faroestes, o policial europeu esgotou-se no excesso de produção e repetição de fórmulas. O período mais interessante para o gênero seria 1972 a 1977 e o que havia iniciado como uma variante do cinema politico tornou-se “mais do mesmo” em uma sequência de produções de ação fantasiosas. No caminho da apelação popular (exploitation) consagraram-se como diretores cult, Enzo Castellari, Stelvio Massi, Mario Caiano e principalmente Umberto Lenzi com os peso-pesado Roma a Mano Armata (quase um épico com suas situações paralelas e episódios) e Milano Odia (Tomas Milian como um dos mais abomináveis delinquentes do cinema). Filmes como Il Giustiziero Sfida La Cittá (1975) de Lenzi ou La Via Della Droga (1978) de Castellari anteciparam em quinze anos ou mais as aventuras policiais em que o cinema americano se especializaria dos anos 80 em diante.
Mas o gênero daria sinais de esgotamento em produções desajeitadas como Giallo a Venezia (1979) ou de excessos como Luca Il Contrabandiere (1980) ou simplesmente desorientado diante de novos valores estéticos como em The Day of the Cobra (1980), todos ótimos enquanto exploitation, cinema B, mas deslocados das vias originais.
Com a revisão à produção da época via DVDs e principalmente o acesso via net, o poliziotteschi se tornaria verdadeiro fenômeno cult. Reconhecido por suas virtudes narrativas e aspectos técnicos. A perseguição em La Mala Ordina está entre as grandes do cinema. Tão boa quanto em Bullit ou Robbery. Fabio Testi protagonizou cenas de ação sem dublê em Il Grande Rackett e Vai Gorilla tão bem quanto Jean Paul Belmondo ou Clint Eastwood. A fotografia de Marcello Gatti em La Polizia Ha Le Mani Legate ou Sergio Rubini em Squadra Volante com sua luz e cenários naturalistas (na tradição do neo-realismo) equivaleu em proposta, ao realismo de fitas como Operação França. E as trilhas sonoras são tão boas que Quentin Tarantino, declarado fã do gênero, recicla muitas delas em seus filmes.
