Uma trilha de quase cem anos 4
A batuta contra ataca
Foi através do trabalho de John Williams que os alto falantes dos cinemas voltaram a tocar o primordial romantismo sinfônico em uma volta ao formato inicial das trilhas sonoras. Depois do sucesso de Jaws (Tubarão, 1975), John Williams começou a colecionar Oscars com a música de Star Wars (Guerra Nas Estrelas, 1977) e seu formato intencionalmente acadêmico (e até mesmo anacrônico), mas que trouxe de volta certa magia inocente e old fashion ao espetáculo cinematográfico e que de alguma forma fazia conexão com os seriados de aventura dos anos 40. Williams enfileirou uma tamanha série de sucessos no final da década de 70, que a repercussão se estendeu às prateleiras de lojas de discos. Curiosamente os discos de John Williams tinham tanto apelo de vendas quanto os de música popular, o que era surpreendente para um trabalho instrumental e sinfônico.
Paralelo ao sucesso de Williams houve uma revalorização da escola sinfônica e do trabalho de grandes nomes como Bernard Herrmann, Alex North e Miklós Rozsa que voltaram brevemente ao mercado em trilhas para diretores da nova geração como Martin Scorsese, Brian De Palma, Jonathan Demme ou Larry Cohen.
Em contrapartida, o filão adolescente, descoberto pelo cinema americano no início dos anos 80, contribuiu com o maior empobrecimento jamais constatado na história das trilhas sonoras. Os filmes da safra brat pack (bando de pivetes), que invariavelmente empregavam coletâneas de canções pop como principal acompanhamento sonoro, foram responsáveis pelas trilhas mais equivocadas de que se teve notícia e ainda significaram o desperdício de bons compositores. Tiveram estes que se contentar em criar música incidental que mal era notada no decorrer da película e não tinha exposição como material musical de peso para ser incluído na edição da trilha (a coletânea de canções) que inevitavelmente chegaria ao mercado.
Afetada pela massiva produção americana que tomou os mercados internacionais através de blockbusters invencíveis, a produção europeia também caiu de nível em quantidade e qualidade, mas heroicamente manteve sua produção ativa através do trabalho de compositores como Claude Bolling, Philippe Sarde e novos talentos como Jean Claude Petit, Gabriel Yared e Rachel Portman que deram continuidade a tradição melódica e ainda tentaram inovações na área instrumental.
Mas o tempo não para, e a sucessão histórica é inevitável. Assim, passadas as trevas do início dos anos 80, o cinema (principalmente o americano) teve que forçosamente superar a estagnação criativa adotando uma nova postura sonora nos anos seguintes. Mais ainda do que antes, as possibilidades de mistura de gêneros e múltiplas referências se tornaram visíveis. As facilidades trazidas pela tecnologia e o processamento de sons via computador também se mostraram benéficas na confecção de trilhas, e com a recente valorização do que se produziu nos anos 60 e 70, o acúmulo de informação disponível aos compositores modernos é volumoso e necessário.
Com inúmeros caminhos disponíveis à escolha, as trilhas modernas podem trafegar à vontade entre a tradição sinfônica e o rock industrial, utilizando as mais modernas técnicas de gravação e amostragem de sons via samplers, sendo as trilhas limitadas somente pela personalidade cinematográfica de cada obra.
Mesmo tendo que competir com uma edição de som barulhenta (entre diálogos gritados e múltiplos canais de sonoplastia) em um cinema sempre beirando a histeria, as possibilidades de criação musical são generosas atualmente. É notável em um mesmo período histórico, ouvir trabalhos de intenções e idiomas tão distintos como o jazz intimista de Random Hearts (Destinos Cruzados, 1998) de Dave Grusin, a martelação industrial de Face/Off (A Outra Face, 1997) de John Powell, a expressividade instrumental de Final Fantasy (Final Fantasy, 2001) de Elliot Goldenthal, a grandeza épica de The Lord of the Rings (O Senhor dos Anéis, 2001) de Howard Shore, ou a introspecção de The Countess (2009) de Julie Delpy.
Mesmo ainda marcado pelo uso de material pop como identificação de um filme, o cinema moderno voltou a reconhecer a importância de uma trilha sonora instrumental como principal definidor da personalidade de um filme. Fato que está apontando a uma saudável retomada artística na produção cinematográfica.
