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Nem mortos, nem vivos - Undead music

 

Trilhas sonoras em cinema servem a dizer o que não é dito na tela. Servem a sedimentar uma sequencia de eventos gravados isoladamente e lhes dar continuidade e unidade. No cinema fantástico elas são parte essencial do conjunto narrativo.

Antes dos mortos vivos se tornarem os monstros mais adorados na cultura pop moderna, tivemos os vampiros como os mais temidos desmortos, revividos, undeads. Cesare em O Gabinete do Dr Caligari (1919) foi o primeiro morto vivo das telas e o vampiro Nosferatu (1922) teve uma trilha sonora composta especialmente para ele e executada por uma orquestra durante a projeção do filme! Seu autor, Hans Erdmann, foi um pioneiro no campo das trilhas sonoras.

 

Depois que a Universal fez sucesso nos anos 30 com sua série clássica de monstros, foi a produtora inglesa Hammer que os revitalizou em cores para uma nova geração. Isso no final dos anos 50 e assim múmias, lobisomens, Frankenstein e Drácula ressuscitaram em uma nova série de películas de nível técnico invejável, principalmente considerando o sempre modesto orçamento de cinema B. James Bernard foi o principal compositor da Hammer e sua abordagem direta e reta de comentário sonoro pode até ser considerada óbvia ou simplória, mas é sincera e mais do que adequada ao sustento climático das fantasias góticas. Dracula, Classic Scores from Hammer Horror foi uma excelente coletânea lançada há anos pelo selo Silva Screen que abriu caminho para uma série de lançamentos dedicados ao “estúdio que pingava sangue”.

Falar em trilhas sonoras para Drácula nos leva imediatamente ao notável Drácula (Dracula, 1979) de John Badham, estrelado por Frank Langella e com trilha do pop star John Williams que na época já estava famoso por causa das músicas de Tubarão e Guerra nas Estrelas, mas ainda não havia sido endeusado por causa de ET. Mais ambicioso foi o Bram Stoker´s Dracula de Francis Ford Coppola (1992) que teve música do polonês Woyciek Kilar. A música de Bram Stoker´s Dracula é gótica ao extremo, mas vai muito além do óbvio. O andamento decidido e ameaçador de The Beggining permeia toda a trilha como uma maldição sonora. E na falta da trilha de Hans Erdman para o Nosferatu de 1922, (que existiu em edição da RCA, mas está fora de catálogo) podemos ficar com a da refilmagem feita por Werner Herzog em 1976. Nosferatu na versão de Herzog teve música do grupo eletrônico Popol Vuh. Criando um paralelo à plasticidade cadavérica da fita, a música cria com texturas eletrônicas de sintetizadores emanações sonoras assustadoras. O efeito de difusão material e musical destaca Nosferatu como uma das grandes trilhas sonoras do cinema fantástico.

 

Entrevista com o Vampiro (1994) de Elliot Goldenthal também é uma das trilhas mais respeitáveis no cinema fantástico moderno e o compositor é dos nomes mais notáveis das trilhas atuais. Sinfônica e de múltiplas referências musicais a trilha abre com a beleza lírica de Libera Me e na sequencia soma uma profusão de climas macabros através de meios sinfônicos. É uma daquelas raras trilhas que funciona perfeitamente no filme e ganha força extra fora dele.

Também marcante foi o cult The Hunger (Fome de Viver, 1982) com sua estética de vídeo clip natural à época. A trilha sonora é muito lembrada pela utilização da canção Bela Lugosi is Dead do grupo Bauhaus. A canção é emblemática do movimento gótico dos anos 80, mas a trilha instrumental eletrônica de Michael Rubini e Denny Jaeger é ainda melhor. Também merece atenção o interessante Near Dark (Quando Chega a Escuridão, 1987) que integrou a linha “terror pop” dos anos 80 com muitas virtudes. Uma dessas virtudes é justamente a trilha techno do grupo alemão Tangerine Dream. A música de Near Dark apresenta os invitáveis recursos técnicos das produções do período como percussão eletrônica e sequenciadores rítmicos. Pode-se dizer que o grupo conseguiu somar a abstração climática dos velhos tempos ao idioma rítmico do momento. Simplesmente uma das melhores trilhas (entre muitas) do grupo.

Em uma proposta mais popular podemos destacar a trilha de Vampiros (2000) de John Carpenter. Com sua cara de western ou road movie, a trilha assume referências de blues e rock em um trabalho simples, despretensioso e (melhor de tudo) muito divertido. Composta pelo próprio Carpenter, a trilha fica em algum lugar musical entre Paris Texas e Halloween. Para a gravação formou-se o grupo Texas Toad Lickers no qual participaram Steve Crooper (guitarra) e Donald Dunn (baixo) dois integrantes do lendário grupo soul Booker T and the MGs, além do próprio diretor na guitarra. John Carpenter é um cara legal!

 

E finalmente, os zumbis! Como já vimos, os zumbis são parte integrante da do folclore fantástico do cinema desde o citado Gabinete do Dr Caligari. Ainda nas raízes é importante destacar o atmosférico White Zombie (1932) como um clássico de terror do período. Na década de 60 a Hammer fez sua tentativa com o fraquinho Plague of Zombies (Epidemia de Zumbis, 1966). E finalmente tivemos A Noite dos Mortos Vivos (1968), de George Romero que fez história como um dos primeiros filmes adorado por minorias. Um verdadeiro fenômeno cult.

Para sua trilha sonora o diretor utilizou trechos de música de filmes de ficção e horror dos anos 50/60 que os estúdios guardavam justamente para esse fim: musicar outras produções e evitar gastos maiores. Romero deu continuidade à saga dos ambulantes com Dawn of Dead (Despertar dos Mortos) que teve trilha sonora do grupo italiano Goblin, parceiro das trilhas do diretor Dario Argento. Argento era co-produtor de Dawn of Dead e a inclusão do grupo foi natural. A trilha acentua a atmosfera sufocante do filme com sua mescla de rock e eletrônica. Romero não gostou muito, achando a música meio distanciada dos acontecimentos. Gostando ou não, é uma das melhores e mais variadas trilhas do Goblin. No terceiro momento da série living dead, Day of Dead (Dia dos Mortos, 1985), a música já é totalmente eletrônica e ainda mais claustrofóbica do que a anterior. Composta por John Harrison, integrou várias possibilidades sonoras no idioma techno dos anos 80.

Passar pelos anos 80 leva imediatamente a dois clássicos do período Re-Animator e A Volta dos Mortos Vivos ambos de 1985. Com trilhas sonoras concebidas no melhor espírito picareta dos filme B/trash. A Volta dos MV tem pouco material original e funciona como uma coletânea de temas punk/new wave. Re-Animator de Richard Band “se inspira” em várias ideias alheias (Psicose, A Profecia), mas é um trabalho divertido justamente pela despretensão.

 

Também é imprescindível citar a encarnação europeia de zumbis. Depois do sucesso europeu de Dawn of Dead, que teve distribuição facilitada por Dario Argento, o diretor Lucio Fulci fez uma cópia-versão-sequência chamada Zombie 2 (Dawn of Dead havia sido distribuído como Zombie para os euro freaks). Daí em diante foi uma enxurrada de filmes splatter com muita coisa boa e muita coisa ruim. O pioneiro dos euro-zombies foi o diretor espanhol Jorge Grau que com seu excelente Living Dead at Manchester Morgue (1974, lançado como Zumbi 3 em nossos cinemas) antecipou a estética splatter em um dos melhores filmes de zumbi de todos os tempos. Sua trilha sonora, feita pelo Giuliano Sorgini também é notável no gênero.

Simplificando a revisão ao cinema splatter dos anos 80, destacamos os filmes Paura Nella Cittá Dei Morti Viventi (em VHS - Pavor na Cidade dos Zumbis, 1980) e The Beyond (Pavor nas Trevas, 1981) ambos de Lucio Fulci e ambos com música de Fabio Frizzi, compositor que teve consistente carreira nos filmes de terror italianos.

Um atalho interessante foi o filme Invasion of Body Snatchers (Invasores de Corpos, 1978). Um ótimo suspense/ficção baseado em Vampiros de Almas de 1956. Mas enquanto o original ficava demais preso à leitura política da época, a refilmagem faz da massificação comportamental o princípio de seu suspense. A rigor não é filme de zumbis, mas a relação é muito próxima: a perda da consciência, a contaminação crescente, a direção apocalíptica dos acontecimentos, etc.

 

E os contemporâneos?

Depois de algumas refilmagens muito boas como Dawn of Dead (Madrugada dos Mortos, 2002) os filmes de mortos-vivos definitivamente invadiram a cultura pop contemporânea. E quebraram a última barreira com a invasão de telas residenciais com o sucesso da série The Walking Dead. No referente a trilhas sonoras, a maioria das composições recentes acaba por se misturar com o sound design das películas na aceleração narrativa dos filmes atuais. A exploração climática ou o exercício de construção de suspense, como em Living Dead at Manchester Morgue ou Children Shouldn´t Play With Dead Things, são impensáveis no padrão contemporâneo de cinema. Ainda assim as trilhas sonoras têm dado sinal de recuperação com trabalhos bem interessantes como Day of Dead (Dia dos Mortos, 2008) de Tyler Bates, que soa como música mesmo e não apenas como efeito climático. Ou ainda Stake Land (Anoitecer Violento, 2010), no qual o apocalipse é de vampiros e não de zumbis, mas que segue a estética living dead muito de perto. Stake Land tem ainda uma trilha respeitável de Jeff Grace disponível no mercado pelo selo Movie Score Midia, especializado em trilhas sonoras contemporâneas.

Acima de todos vale citar o sucesso de 28 Days Later (Extermínio, 2002), de John Murphy. Uma grande colagem sonora de vozes, ruídos e de gêneros musicais incluindo texturas eletrônicas climáticas e rock. Seus bons momentos atmosféricos como The Search For Jim, Red Dresses e o rock instrumental de Rage, revelam o compositor como um dos mais interessantes da atualidade. Destaque para, In the House, uma construção sonora crescente que praticamente se tornou um clássico contemporâneo no gênero. Um modelo sonoro aproveitado em diversas outras produções e trailers.

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