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Suspense - Matéria prima do cinema

 

Nunca saem de moda os filmes de suspense. Fundamentam-se na própria  essência do cinema, que é, gerar interesse pela cena seguinte, a expectativa pelo próximo ato. Em uma proposta de narrativa encadeada, estruturada em começo-meio-fim, a criação de interesse e expectativa pela ação seguinte é de importância fundamental. E uma vez que a música tem grande função no encadeamento de cenas sequenciadas para fins narrativos, é óbvio concluir a importância de trilhas sonoras para filmes de suspense. No suspense muito se age e pouco se fala. E a música é o indicador emocional, o orientador respiratório que nos conduz pelos 90 torturantes minutos de um thriller.

 

Bernard Herrmann foi um dos principais compositores de filmes de suspense justamente por sua capacidade de jogar a música entre altos e baixos alternados e fazer nossa respiração e percepção ser conduzida pelas necessidades da narrativa como o fez brilhantemente em Psicose. Em uma abordagem mais sutil, Pierre Jansen em Le Boucher (O Açougueiro), invade a pacata vida provinciana dos personagens com sua música modernista. Pino Donnagio acentua o suspense de Don´t Look Now (Inverno de Sangue em Veneza) com sua música francamente melancólica e de antecipação ao roteiro.

Roy Webb e Bernard Herrmann são importantes fundadores por sua intenção a estilização já nos anos 40. Em Hangover Square (Concerto Macabro, 1945) Bernard Herrmann compôs um dos mais notáveis trabalhos de suspense de sua carreira e do gênero. Sua intenção em evoluir o comentário dramático junto ao desenrolar da trama é perceptível na trilha de Hangover Square. Nela o compositor faria uma prévia do efeito de stinger (uma frase curta ou efeito para provocar sobressalto, atenção e intensificar o momento) que mais tarde seria tão importante  em Psicose. Concebida como um concerto para piano e orquestra, Hangover Square tem seu tema principal utilizado em grande efeito dramático na sequência final: o crescendo orquestral equivalendo às chamas que tomam o teatro e a loucura que definitivamente toma conta do compositor.

Roy Webb também foi mestre no suspense com sua elegância formal em linguagem clássica. Suas trilhas para filmes como Cat People (1942) e The Seventh Victm (1943), foram marcantes no período, assim como diversas de suas composições para os filmes noir. Em O Homem dos Olhos Esbugalhados (The Strange on the Third Floor, 1940) estrelado por Peter Lorre e considerado o primeiro noir do cinema, várias sequências de suspense são sustentadas unicamente pela música de Webb. No filme Silêncio nas Trevas (Spyral Staircase, 1946) a trilha sonora que acompanha uma película silenciosa (executada por uma pianista) se estende genialmente a um crime que acontece em outra dependência do cinema. O suspense fictício se estende ao crime “real” e a música é o elemento de ligação. Para Alfred Hitchcock, Webb teve momentos antológicos como a música para Notorious (um dos mais belos temas românticos da Golden Age americana).

Em Vertigo (Um Corpo Que Cai, 1958), a trilha de Herrmann traduz a crescente obsessão do protagonista. As codas explosivas da trilha são, não apenas acompanhamentos, mas conclusivas do caráter trágico das situações. Em Psicose (1960), a trilha constrói confinamento em motivos curtos e alternâncias. Psicose é um dos melhores exemplos da característica de síntese que o compositor empregava com frequência em seus trabalhos. Motivos curtos, repetitivos e de significado direto. O mesmo acontece em Cape Fear (1962), trabalho diretamente consequente do clássico de Hitchcock. O exercício em claustrofobia de Psicose seria refinado para o famoso suspense de J. Lee Thompson que seria refilmado por Martin Scorsese em 1991. E novamente a música de Bernard Herrmann seria utilizada, em uma nova gravação feita por Elmer Bernstein.

 

Na Europa, Henry Georges Clouzout é o grande mestre do suspense na escola clássica. E Claude Chabrol é o grande pioneiro em explorar narrativas diferenciadas. Seu filme A Double Tour (Quem Matou Leda?) de 1958 é um primor em exercício estético e antecipou muito do que se faria nas décadas seguintes. O cinema revendo a si mesmo. A experimentação estética como essência do próprio filme.

Em Le Boucher (O Açougueiro, 1968) Chabrol faz a música do genial Pierre Jansen (seu habitual colaborador) inserir suspense na estrutura da película. As explorações vanguardistas de Jansen desestabilizam a pacata vida interiorana e as paisagens de cartão postal que são apresentadas na primeira parte do filme.

Em um momento de revitalização dos thrillers, com o monstro-homem se tornando mais perigoso do que ameaças sobrenaturais, o cinema europeu teria exemplares bastante interessantes como nos exercícios claustrofóbicos de Peter Collinson. Entre eles The Penthouse (1970) e Fright (1972) como grandes exemplos. O suspense inglês marcou época nas produções da Hammer ou em outros grandes momentos com 10th Rillington Place (com música bastante interessante do jazzista John Dankworth), mas foi a produção italiana que catalisou a atenção com sua série de giallos estilizadíssimos e violentos. Na Itália, Mario Bava é a grande referência com seus enquadramentos e luzes que remetem à estética das histórias em quadrinhos. Seu filme Sei Donne Per L´Assassino (1964) é o grande precursor dos giallos e a trilha sonora jazzística de Carlo Rustichelli também foi uma ousadia para o gênero. Depois de Bava, Dario Argento seria o novo impulso dos euro-thrillers com sua ambição técnica e narrativa estilizada nas quais as trilhas sonoras tinham papel importantíssimo. Veja em Giallos.

A música de Phillipe Sarde para O Inquilino (1976) optou pela introspecção com sua música que parece ter muito mais a dizer, mas prefere a reclusão.

Inverno Sangue Veneza (Don´t Look Now, 1971) de Nicholas Roeg também marcou seu período e a música de Pino Donnagio foi um dos pontos altos de um dos maiores filmes de suspense jamais feitos. Romântica e melancólica, a música tem função extra (quase subliminar, antecipando a conclusão) na progressão da narrativa. Donaggio garantiria uma sólida carreira no cinema com esse trabalho e mais um suspense, Carrie (1976), viria a consagrá-lo como um dos mais interessantes compositores do momento em sua opção pelos contrapontos líricos para histórias de violência e suspense. Receita herdada dos thrillers italianos e que seria usada em muitos filmes dirigidos por Brian De Palma e musicados por Donaggio.

Com o famoso Halloween (1977), John Carpenter conseguiu um feito múltiplo com um dos mais bem sucedidos filmes B da história além de ter composto um dos temas musicais mais famosos do cinema. Carpenter repetiria a proposta minimalista em The Fog (1980). E o sempre notável Jerry Goldsmith tem grandes momentos no suspense como Mephisto Waltz (Balada Para Satã, 1971), The Other (A Inocente Face do Terror, 1972), Magic (Um Passe de Magica, 1978) ou Hollow Man (2000).

Passada a fase pop de trilhas sonoras no cinema orientadas por modelos populares (música pop, soul music, rock) o cinema voltaria a valorizar as trilhas sinfônicas e alguns compositores da velha guarda voltariam a ativa. Miklos Rozsa teve ótimos trabalhos para thrillers como The Last Embrace (1978) e The Eye of the Needle (1978) e Bernard Herrmann fez trabalhos interessantes na Europa como The Bride Wore Black (A Noiva Estava de Preto, 1968) para François Truffaut ou o obscuro suspense inglês Night Digger (1971), além de Twisted Nerve (1968) – o assobio do jovem killer seria lembrado por Daryll Hanna em Kill Bill 2. A volta de Herrmann à produção americana teve especial relevância na colaboração com Brian de Palma em Sisters (Irmãs Diabólicas, 1973) e Obsession (Trágica Obsessão, 1976).

 

Retomada - Depois de amargar um período de baixo nível imaginativo na década de 80, os thrillers (e o cinema em geral) retomaram o gosto por trilhas sonoras mais participativas da narrativa. Veja Retomada. Mary Reilly (1996) de George Fenton foi um dos grandes exemplos dessa retomada criativa. O canadense Howard Shore também teve seu nome fortemente associado ao gênero por suas trilhas espectrais e subterrâneas como em Scanners (1980), Silence of the Lambs (1990) ou Seven (1995).

Atualmente muitas trilhas se confundem com o sound design dos filmes. Entre ruídos, sintetização e efeitos sonoros climáticos no limiar da sonoplastia a necessidade de cativar a atenção por vias tradicionais parece ter se tornado obsoleta. Nesse panorama, trilhas como as de The Bone Collector (1999) surpreendem em sua intenção mais melódica do que apenas climática. Outras como Cabin Fever (2002) soam revolucionárias em sua opção a uma música orgânica e de abordagem originalíssima.

 

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