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Policiais - Do noir a ação!

 

“ Maybe I´ve been running around with the wrong people“

Phillip Marlowe em The Big Sleep, 1946

 

Procedentes da produção noir (no cinema e na literatura) o cinema policial teve consolidação com a figura do detetive como condutor da narrativa. Ainda que eventualmente recorressem à força física como Sam Spade, ou Phillip Marlowe, era a esperteza dedutiva dos detetives e investigadores que desatava os nós das tramas criminosas. Mas depois que James Bond começou a explodir as coisas, depois que Frank Bullit acelerou pelas ladeiras de São Francisco e Dirty Harry pulou sobre o ônibus escolar para salvar a molecada do desequilibrado Scorpio, o cinema investiu mais e mais na ação física e irracional para solucionar as tramas de roteiro. Essa é a própria essência de um personagem como Dirty Harry: quando a teoria (a lei) falha, a ação resolve.

 

“Do you feel lucky, punk?” – Dirty Harry, 1971

 

Dessa forma a capacidade intelectual dos detetives foi dando espaço à ação. Virgil Tibbs (Sidney Poitier) fez essa transição em No Calor da Noite, Noite Sem Fim e A Organização. Os filmes Bullit e No Calor da Noite viriam a sugerir nova orientação ao gênero centrando a narrativa na figura do policial que tanto é hábil no raciocínio quanto na ação.

A estrutura de roteiro de Naked City (1946) curiosamente antecipava essa trajetória. Barry Fitzgerald, na figura do tenente Muldoon acompanha, investiga e conclui, na tradição dos detetives intelectuais e se entrega a ação física na perseguição final ao marginal que escala a ponte do Brooklin. Naked City praticamente sintetiza quarenta anos do gênero policial no cinema: do intelecto à ação física.

 

Algumas variações noir ou tentativas de atualização à década de 60 ocorreram em The Killers (Os Assassinos, 1964) de Don Siegel e Point Blank (À Queima Roupa, 1967) de John Boorman que acrescenta cores psicodélicas ao mundo de sombras expressionistas essenciais ao gênero.

Muitos consideram os policiais pós-noir como uma adaptação dos westerns à cidade grande. O personagem de Clint Eastwood em Coogan´s Bluf (Meu Nome é Coogan, 1968) é um exemplo dessa possível trajetória. O diretor Jean Claude Melville também já definiu suas aventuras policiais como faroestes adaptados ao cenário urbano. Veja Euro Cops.

Também é interessante acompanhar a trajetória musical do gênero que vai da escola clássica a modelos populares, com a reorientação do gênero no final dos anos 60. Miklos Rozsa tem uma trilha exemplar em Double Indemnity (Pacto de Sangue, 1944). Com esse filme ele se estabelece como um dos principais nomes a compor para o gênero. Pacto de Sangue é um clássico por muitos motivos: a narrativa em off é exemplar (roteiro de Raymond Chandler sobre romance de James Cain), a fatal Philys (Barbara Stanwick) se mostra ardilosa desde o princípio, a fotografia mergulha os personagens em um ambiente progressivamente (e literalmente) sombrio no desenrolar dos acontecimentos e acima de tudo, a direção cínica de Billy Wilder é mais do que adequada ao gênero. Musicalmente Rozsa faz a dosagem perfeita de comentário sonoro: a marcha de tom fúnebre que abre a película define o drama e a retomada do tema quando Fred e Philys definem sua trama, deixa claro que nada seguirá na direção de um final feliz. Rozsa faria ainda outros grandes trabalhos no gênero como The Killers (Assassinos, 1946) e os violentos dramas de Jules Dassin, Naked City (Cidade Nua, 1948), e Brute Force (Brutalidade, 1947).

Roy Webb também deixou seu nome entre os grandes da Golden Age. Strange on the Third Floor (O Homem dos Olhos Esbugalhados, 1940), citado como um dos primeiros noirs do cinema, teve passagens de suspense sustentadas unicamente pela música de Webb. Em Murder My Sweet (1944) sua música é perfeita, incisiva, mas nunca intrusiva. Acompanha o protagonista Phillip Marlowe (Dick Powell) e seus estados emocionais como condutor da progressão narrativa. E para Notorious (Interludio, 1946) Webb compôs um dos mais belos temas do cinema, disponível em uma seleção dedicada a filmes de Hitchcock lançado pela Varese Sarabande na década de 80.

 

Em On Dangerous Ground (1951), o policial implacável e violento vivido por Robert Ryan é precursor de Dirty Harry. Mas, diferentemente dos filmes noir que geralmente reservavam um destino trágico aos protagonistas, On Dangerous Ground segue no caminho oposto e trata da redenção do policial implacável. A trilha de Bernard Herrmann para o filme também diz isso de forma bastante clara: das implacáveis explosões orquestrais da abertura a trilha chega à reclusão de solos de viola como protagonistas sonoros.

No decorrer da década de 60 a escola sinfônica cedeu à nova onda pop. Naturalmente que, um produto que se orientasse ao gosto popular nesse momento não poderia negligenciar a importância que a música ganhava na cultura de massa. Os filmes da série James Bond são um claro exemplo (talvez o maior) da associação empática entre um filme e sua trilha sonora. A canção tema de In the Heat of the Night, de Quincy Jones, teve vida própria em separado do filme, algo que jamais aconteceria nas suítes sinfônicas dos filmes noir da década de 40. O tema romântico do filme Laura (1944) de David Raksin, é uma exceção que confirma a regra.

 

Lalo Schifrin faria uma atualização musical nos policiais com a tensão jazzística de Bullit (1968) e Dirty Harry (Perseguidor Implacável, 1971). Com a música para Dirty Harry, Schifrin definiu um novo patamar para o cinema policial. A música é tensa e direta ao assunto, como a narrativa do diretor Don Siegel. O prazer doentio do assassino Scorpio é imediatamente compreensível na vocalização voluptuosa de Scorpio Theme, tema recorrente de todo o filme. Schifrin vai adiante na sequência de Dirty Harry, em  Magnum Force (Magnum 44, 1973) os contrabaixos tomam grande parte da condução musical.

Com Shaft, Isaac Hayes inaugura o bem sucedido filão da blaxploitation, que marcaria época com suas fitas cada vez mais fantasiosas. Veja Cinema Black. O compositor Dave Grusin seguiria a influência soul em The Friends of Eddie Coyle (1973) e Three Days of Condor (1975). E faria uma variação exemplar no gênero com The Yakuza (1975). Outras trilhas como as de The Taking of Pelham 123 (Sequestro do Metro, 1974) de David Shire, French Connection (1971) de Don Ellis, ou The Enforcer (Sem Medo da Morte, 1976) de Jerry Fielding fariam uma atualização da linguagem jazzística para o cinema. Veja Jazz no cinema.

 

Os policiais entrariam na década de 80 sem rumo definido como no neo-noir I the Jury (1982) com música de Bill Conti ou Nighthawks (Falcões da Noite, 1981) com música de Keith Emerson ou em Sudden Impact (Impacto Fulminante, 1982) com trilha de Lalo Schifrin. Uma nova estética visual e musical só se definiria nas bem sucedidas séries Máquina Mortífera e Duro de Matar, ambas com música de Michael Kamen. A proposta sintética e de referências múltiplas que Hans Zimmer faz na trilha de Black Rain (Chuva Negra, 1991) viria a orientar as produções posteriores.

Com o conceito sinfônico em desuso e a necessidade de referência ao seu tempo ou empatia imediata junto ao publico, o cinema contemporâneo reforçaria o uso de música procedente do mercado de consumo (pop, rock) para conexão com a realidade do espectador. Mesmo com ótimos exemplos de eficiência, como a trilha de Jerry Goldsmith para U.S. Marshals (Os Federais, 1998), filmes como Heat (1995), Miami Vice (2006), ambos com direção de Michael Mann, optaram por trilhas de múltipla influência que se caracterizam como amostras da produção contemporânea em áreas musicas diversas. É discutível que uma trilha sonora como a de Dirty Harry seja ainda hoje caracterizadora do filme e de sua época e musicalmente mais interessante do que as coletâneas de temas pop que movimentam boa parte do mercado de trilhas contemporâneas.

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